Review of “Of Fragility and Impermanence” at Guimarães Jazz on Público by Gonçalo Frota
“O festim jazz-soul de Immanuel Wilkins tomou conta de Guimarães
No arranque do Guimarães Jazz, uma incandescente actuação do colectivo do saxofonista norte-americano. Maria João e Fred Hersch celebraram carreiras, André Carvalho mostrou música sem notas a mais.
(…)
A tocante fragilidade de André Carvalho
Há um fosso gigante a separar Hersch daquilo a que assistimos na tarde de sábado no Pequeno Auditório do Vila Flor durante o brilhante concerto de André Carvalho, à frente do quinteto (com José Soares, Raquel Reis, Samuel Gapp e João Hasselberg) que estreou em concerto o disco “Of Fragility and Impermanence”.
O contrabaixista adoptou já há vários anos uma abordagem conceptual a cada disco, inspirando-se quer na obra de Hieronyous Bosch (The Garden of Earthly Delights) quer na ideia de intraduzibilidade (Lost in Translation). Desta vez, explica ao PÚBLICO, "quis explorar fragilidade, vulnerabilidade e impermanência"', baseando-se na sua experiência como pai, no regresso inesperado de Nova Iorque para Portugal (na ressaca da pandemia) ou na reflexão sobre vida e morte à medida que o tempo avança.
Assumindo influências directas como o filme Ikiru, de Akira Kurosawa, O Livro Branco da Nobel da Literatura Han Kang ou a série de pinturas Study for Bullfight, de Francis Bacon, André Carvalho cria uma música notavelmente abstracta, a meio caminho entre o jazz e a criação erudita contemporânea, procurando silêncios e vazios, colocando em foco cada nota que escutamos do contrabaixo, do violoncelo, do piano, do saxofone e da electrónica num quinteto que interpreta com magnífica sensibilidade uma partitura que está não apenas nas pautas, mas também na histórias que a música pretende contar e nos estados que se propõe atingir.
"No primeiro encontro que fizemos, organizei um almoço em minha casa e só depois fomos tocar", relata. "Nesse almoço, falámos sobre todo o conceito e de onde ele vinha interiormente. É uma maneira de os músicos terem mais empatia com os temas, em vez de estarem só a tocar e a reagir musicalmente.". O resultado é uma música profundamente bela, muito particular, por vezes de uma tristeza carregada de dor e revolta (quando parte do luto no livro de Kang), em que o saxofone, nalguns momentos, parece soar a uma carpideira e a electrónica (a manipular em tempo real o som dos restantes instrumentos) convoca gravações de momentos em família.
Música com tanto espaço e sensibilidade que nos puxa lá para dentro e nos deixa sem defesas: uma verdadeira lição (…)”
in Público by Gonçalo Frota, 9 de Novembro de 2025

