Review of “Of Fragility and Impermanence” concert in Guimarães Jazz 2025
“A expetativa para ver a estreia ao vivo de "Of Fragility and Impermanece", era relativamente grande. Afinal tratava-se do sexto registo do contrabaixista e compositor, André Carvalho (AC) em nome próprio, com edição fresquíssima via Robalo music. Um álbum que marca um ponto de progressão em relação ao anterior projeto "Lost in Translation II" (Clean Feed, 2023), do qual mantém apenas José Soares (JS) como elo de ligação para uma formação mais alargada.
18h06
"Echoes" foi uma porta de entrada bem amadeirada, onde o tronco sonoro inicial fez crescer galhos do violoncelo de Raquel Reis (RR) e do contrabaixo de AC (ano), enquanto que o piano meticulosamente preparado por Samuel Gapp (SG) e o sax. alto de JS (debitando os seus exímios superagudos) iam montando um enredo outonal no PA do CCVF. Tema potenciado pela manipulação eletrónica do tb contrabaixista Joao Hasselberg (JH), aqui num papel de sonoplastia a abrigar toda improvisação mais livre do conjunto através do uso de harmonias que iam sustentando de forma orgânica todas as peças de desta "constante fragilidade".
Uma melodia mais "decifrável" foi surgindo através do piano de SG, logo amplificada pelos pulmões de JS e a indução dos primeiros samplers/fragamentos sonoros de vozes humanas - numa atmosfera caótica e cinematográfica. JS com o seu sopro vai alavancando o coletivo para os domínios do jazz, com vozes infantis a darem sequência ao tema, como se a música retratasse uma infância longínqua e distorcida. Destaque deste modo para o papel central de JH como "mestre de cerimónias eletrónicas" e elo de ligação de todo o processo composicional elaborado por AC.
18h20 - "No man ever steps in the same river twice, for it's not the same river and he's not the same man"
Um tema obsessivo com as cordas em formato alerta contínuo, o violoncelo a ganhar protagonismo e o piano a potenciar o caos que alternava com vazios sonoros voláteis e lá está, impermanentes. O nome da violoncelista RR não me era nada estranho, e ao fazer um rápido exercício de memória não foi preciso ir muito ao fundo do baú para descobrir a causa: o incrível registo "Mt. Meru" de André B. Silva, editado em 2022 pela Clean Feed e que incompreensivelmente passou um pouco pelos pingos da chuva do panorama jazzístico pt, mas que este espaço fez questão de destacar de forma escrita.
18h30
Num quase angelical pano de fundo azul violeta surgem uns belíssimos acordes que soavam a "Dores de Crescimento", numa paleta harmónica bem delineada por SG.
Momento de beleza sublime - as vozes infantis (seriam da própria infância de AC?) continuavam a ser disparadas por JH enquanto que JS explorava formas menos convencionais no seu instrumento com sopros lentos e sem recurso à tonalidade tímbrica do sax. - um lamento cantado e profundo - imagem de marca do instrumentista, que no ano passado editou a sua obra conceptual "SOMA" - à falta de oportunidade de a poder assistir à sua estreia neste mesmo festival em 2023, pude constatar a sua inequívoca qualidade num concerto portentoso no início deste ano durante o 15º Festival Porta-Jazz.
18h39 - "The Journey of Kanji Watanabe"
Depois de um momento em quarteto, o líder AC regressa ao palco explanando uma mudança de ângulo com o uso do arco do seu cb e a busca incessante da sua identidade sonora infantil.
Essa busca prossegue e atinge o clímax com " Trica de Irmãos" - tema em quarteto - sem SG - numa abordagem minimalista com deambulações promovidas pelo sax. alto.
18h54
Início a cargo de RR acompanhada de nuances digitais manipuladas por JH na difusão de uma dicotomia de vozes: ora infantis, ora parentais. Momento de contemplação final e estava encerrado o último concerto da tarde.”
In “Os Putos do Jazz”

